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Palavra da Cá! O palacete renasce.

Por Carmen Cagno, jornalista e professora universitária

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Existe um palacete em frente à velha praça, que hoje quase ninguém nota. Mergulhado num sono de anos, repousa sob a cúpula das árvores, quase escondido numa esquina da cidade. Mas quem para ali durante alguns minutos consegue entrever ainda suas linhas elegantes e a imponência que outrora se debruçava sobre a calçada à vista de todos que passavam e paravam para admirá-lo.

Minha mãe era uma dessas pessoas. Criança ainda, levada pelas mãos do seu pai, que era amigo do dono da casa, antes de entrar, parava no portão, olhava para a pequena torre que encima a construção e mergulhava em fantasias sobre princesas e cavaleiros.

Erguida nos anos 20, a residência da família de Joaquim Camilo de Moraes Mattos, situada na rua Duque de Caxias esquina com a Tibiriçá, foi projetada pelo engenheiro Antonio Soares Romeu e construída em estilo Eclético pelos imigrantes Paschoal de Vicenzo e Ernesto Terreri. Essa prática, aliás, era comum por aqui. A engenhosidade dos italianos quase sempre era aproveitada nas grandes construções da cidade, cujos projetos exigiam uma técnica fina e sofisticada, trazida pelas mãos dos artistas europeus.

Formado em Direito pelo Largo de São Francisco, em São Paulo, Camilo de Mattos tornara-se uma das mais respeitadas personalidades de Ribeirão Preto. Filiado ao PRP- Partido Republicano Paulista- participou ativamente da política local, como vereador, vice-prefeito e prefeito. Além disso, advogou para empesas importantes da região, esteve envolvido em projetos como a criação da Fundação Sinhá Junqueira, e coordenou muitas entidades assistenciais.

Nada mais justo, então, que sua ascensão social se traduzisse numa moradia localizada no ponto mais importante da cidade. Durante os anos dourados, esse local era uma das referências arquitetônicas e sociais do então belíssimo entorno da Praça XV. Ali, a nascente burguesia local, formada por barões do café, comerciantes enriquecidos e outras prósperas personalidades, construíram seus castelos de onde viam a cidade crescer.

Concluído em 1922, o palacete encantava com seus elementos art-noveau que enfeitavam os vitrais, ferragens e portas; o mármore Carrara e a madeira de lei que revestia piso, janelas e portas. Carregada de influências trazidas das capitais do país e do estado – além da França, nosso maior comprador de café – a casa, assim como muitas outras construções do período, torna-se um legado artístico, arquitetônico e cultural.

O proprietário ali reside até sua morte, assim como um de seus filhos. Depois disso, o belo palacete, um dos últimos exemplares locais da arquitetura burguesa do início do século XX, fica desocupado durante anos e aos poucos se deteriora. Pra se ter uma ideia, há algum tempo, funcionários da Secretaria da Cultura tiraram da casa três caminhões de entulho e lixo, deixado por moradores de rua e eventuais ocupantes clandestinos.

Em 2008 a casa é tombada pelo Conppac e finalmente, no início de 2018, dois herdeiros autorizam o projeto de restauro, coordenado pelo arquiteto Cláudio Bauso e sua equipe. Para surpresa e alegria dos profissionais e dos proprietários, o imóvel está bem conservado e o cuidadoso projeto de levantamento e indicações de recuperação, de 170 páginas,já está concluído e em fase de aprovação.

Ribeirão salva um de seus últimos redutos históricos e arquitetônicos.

Ufa! Vamos comemorar.

(Cooperação de Cláudio Bauso e equipe)

 

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