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A reforma de João Doria: indignidade e covardia

Quando a gente pensa que já viu de tudo, vem mais esta. No último dia 12, o governador João Doria encaminhou à Assembleia Legislativa o PL 529/2020 aumentando impostos, como ICMS e IPVA, vendendo imóveis do patrimônio do Estado, demitindo servidores públicos, extinguindo autarquias, fundações e empre­sas ligadas à prestação de serviços de saúde, habitação, pesquisa, meio ambiente, entre outras maldades. E por que tudo isso? Para enfrentar a expectativa de déficit fiscal para 2021, calculado em 10 bilhões de reais. Os jornais Folha de S. Paulo e Estadão lançaram editoriais de apoio, revelando o grau de compromisso nada demo­crático com as ações do governo estadual.

João Doria segue, mais uma vez a cartilha neoliberal dos go­vernos do PSDB, inclusive do prefeito Nogueira com sua política de terceirizações absurdas. Nas palavras de Márcia Semer, pro­curadora do estado de São Paulo e atual presidente do Sindipro­esp (Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo), esta reforma administrativa não passa de “um verdadeiro Franke­nstein, desacompanhado de estudo explicativo e demonstrativo do déficit projetado para 2021 e tampouco está instruído com qualquer pesquisa que apresente e justifique a eleição do rol de medidas alinhadas.”

Em tempos de uma pandemia tão cruel, essas medidas são revestidas de uma verdadeira covardia. Questões de ordem econô­mica, administrativa, jurídica e até mesmo de natureza ética mere­cem ser confrontadas a partir da leitura do projeto. O que estamos vivendo neste momento vai marcar a nossa geração, é algo pior do que nossos avós e bisavós viveram com a crise de 1929. Mas o Sr. Doria faz questão de desconhecer a história, desconhecer os remédios que já foram usados com eficácia para combater crises tão amargas. Refiro-me ao New Deal adotado pelo presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt.

O New Deal deu origem às políticas públicas marcadas pelas medidas de estímulo estatal à economia. Medidas econômicas geradoras de emprego e renda, de incentivo direto à agricultura, indústria e construção civil. O remédio eficaz foi mais investimen­to estatal para garantia do bem-estar dos cidadãos. Ampliação do Estado e não seu enxugamento. E mais uma vez, citando Márcia Semer, querer reduzir a máquina pública neste momento é “ofe­recer cloroquina, ozônio retal ou fetiche que o valha para curar a covid.” A reforma de Doria ainda peca por uma série de inconsti­tucionalidades e ilegalidades que não podem ser toleradas.

E por que chamo esta reforma de indigna? Porque ela mostra a face mais notável do projeto neoliberal. No auge da pandemia, o governador encaminha para o parlamento paulista uma proposta que visa desempregar milhares de servidores a partir da extinção de autarquias, fundações e empresas públicas paulistas. Em todo mundo, o esforço de governantes é garantir os empregos, estender os braços do Estado para os mais necessitados. Não fosse uma obrigação pública, a garantia de empregos e de assistência aos vul­neráveis neste momento seria um imperativo ético. Isso o gover­nador não vê, nem sente, tal a sua falta de sensibilidade humana.

O grande gestor quer colocar na rua milhares de servidores, os que atendem aqueles que precisam de remédio público (a Funda­ção Para o Remédio Popular), de saúde pública (o Oncocentro), de moradia patrocinada pelo Poder Público (a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), de terra para a pro­dução agrícola (a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo). Quer desempregar,ainda, quem cuida da saúde coletiva (a Superintendência de Controle de Endemias), quem cuida do meio ambiente e dos animais (o Instituto Florestal e a Fundação Zoológico). Indignidade e covardia são as marcas do PL 529/2020. Que seja retirado ou rejeitado pela Assembleia paulista!

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