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O Chile e sua literatura (28): Luis Alberto Heiremans

Rosemary Conceição dos Santos* 

 

De acordo com especialistas, Luis Alberto Heiremans (1928-1964) foi um dos escritores mais prolíficos e representativos da geração dos anos 50 do Chile, sendo sua dramaturgia considerada uma das bases fundamentais para a modernização da dramaturgia chilena na segunda metade do século XX, caracterizada  pela exploração de novas linguagens teatrais e pela cristalização de uma disciplina profissional e autônoma, que começa a delinear a sua própria identidade. Sua primeira infância foi vivida ao lado dos pais e irmãos, com Heiremans já demonstrando facilidade em criar personagens e contar histórias. Brincando de fazer bonecos, criar personagens e desenvolver figurinos, o autor, precoce, acabou por incentivar a prima, Violeta Vidaurre Heiremans, a se tornar atriz renomada na mídia nacional. Ele próprio, aos doze anos, publicou na revista Margarita um conto intitulado “La Muerte”. Daí até 1948, uma série de outros contos seus apareceram na mesma revista, bem como, na revista Zig Zag . 

Ainda segundo especialistas, em 1950, ao retornar ao Chile após uma viagem de um ano à Europa, Heiremans publicou seu primeiro volume de contos, intitulado “Los niños extraños” e,  embora tenha se formado como cirurgião em 1954 na Faculdade de Medicina da Universidade do Chile, nunca exerceu a profissão, optando por dedicar o título à mãe, que tanto o incentivou na carreira, e dedicar-se inteiramente à literatura. Tal decisão foi afortunada, pois de sua pena extraiu-se uma vasta produção de contos e de peças teatrais. Entre outros, ele escreveu “¡Esta señorita Trini” (1958) – considerado o primeiro musical chileno-, a trilogia formada por “Versos de Ciego” , “El Abanderado” e “El Tony Chico”, além da trilogia “Buenaventura”. A sua obra narrativa inclui três volumes de contos, entre os quais se destacam contos singularmente profundos como “Sangre Azul ”, “La pampa florecida”, “O segredo de Pedro Idel” e “Teresa”. 

Suas obras, tanto dramáticas quanto narrativas, assumem, à luz do tempo, uma grandeza e importância extraordinárias, rejeitando, de certa forma, o realismo, que predominou na literatura da segunda metade dos anos 1940 e primeira metade dos anos 1950. Nesse sentido, pode-se apreciar, em sua obra, a vontade, compartilhada com os demais membros da geração de 50, de renovar as cartas nacionais. Sua poética também ecoa as preocupações da literatura de seu tempo, fortemente influenciada pelo existencialismo. Dessa forma, problemas como a morte, a falta de comunicação e a solidão do homem encontram-se presentes em suas obras. Seus personagens, deparando-se com dois modos de existência opostos, como, por exemplo, viver baseando-se em bens materiais, amarrado às demandas que isso acarreta, ou relacionando-se com o mundo de forma livre e criativa, fazem emergir, nos contextos em que se inserem, o amor, a esperança e a fidelidade, como se vê em “El Tony Chico” ou em seu único romance, “Puerta de Salida”. Pesquisadores como Norma Alcamán, Teresa Cajiao Salas e Eduardo Thomas dedicaram extenso trabalho à análise da poética de Heireman, nesta encontrando destacada angústia existencial, sempre ligada à frustração e ao desencanto vivenciados pelos personagens, sempre abatidos pelos ditames da sociedade. 

“Seres de um dia” é o quarto e último volume de contos publicados por Heiremans, cuja primeira versão surgiu em 1960, na cidade de Illinois, Estados Unidos. No Chile, foi publicado depois da morte do autor, em 1965, pela editorial Zig-Zag. Obra composta por um prólogo e quatro contos (“Teresa”, “Eduardo”, “Pablo” e “Maira”), o prólogo faz parte da obra, no que diz respeito à estrutura da ficção, e funciona como uma forma de apresentar as personagens que se encontram num navio, a partir do qual se constrói o cenário onde se desenrolam as narrativas. “Teresa” é uma aventura que mistura romance e erotismo, onde a personagem principal – que dá nome à história – tenta viver uma aventura proibida com um francês que parece, a longo-prazo, mais interessado em ascender socialmente do que em viver plenamente seu amor. O texto, em forte tom satírico, irônico e humorado, não deixa de revelar os aspectos cruéis da vida. Um trecho? 

Não porque estava em Paris iria mudar seu modo de vida. finalmente e afinal, ela havia sido educada de uma certa maneira e era difícil emendar cursos aos trinta anos de idade. É por isso que ela trouxe o café da manhã para a cama, ajeitou um romance por perto, caso tivesse vontade de ler, colocou o telefone próximo, onde a mão poderia pegar, sem fazer esforço, e não levantou-se até à hora em que o José Pedro chegou para almoçar. Ele gostava de suas próprias manhãs, pensou. Permaneceu com a mente em branco, olhando para o teto, deixando o tempo passar ao seu redor. Às vezes ouvia barulhos: os criados fazendo a sanita (aqui, para Paris, só tinha trazido duas), a campainha de vez em quando, o barulho de um carro que cruzava no asfalto molhado como se esmagasse alguma coisa. Mas, na maioria das vezes, ela se refugiava em um silêncio absolutamente mortal, e isso lhe trazia grande bem-estar. “Eu estou bem aqui”, dizia a si mesma. “Aqui é onde eu me sinto mais eu“. 

 

Professora Universitária* 

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