Tribuna Ribeirão
Artigos

Neurociência da vida cotidiana (21) Habilidades Escolásticas 

José Aparecido Da Silva* 

 Navegando pelos sites de algumas das mais qualificadas universidades do país, constatei, desgostosamente, que em nenhum dos cursos de formação de professores têm sido ensinados disciplinas relacionadas às habilidades cognitivas humanas ou à inteligência. Mesmo em cursos de aprimoramento, existentes em universidades de elite, não há cursos de treinamento em promoção ou aceleração cognitiva de estudantes, em qualquer série escolástica, voltados aos professores. Ou seja, aos professores, absolutamente nada é ensinado sobre inteligência humana, suas origens e implicações. Logo, professores graduados em cursos de formação para as licenciaturas existentes no país não têm a mínima ideia de que as crianças diferem em inteligência geral, bem como, que inteligência tende a ser relativamente estável ao longo da vida, que ela é substancialmente influenciada pela genética, que provavelmente influencia o desempenho nas escolas, que atender às escolas também influencia a inteligência, que há uma clara conexão entre função e estrutura cerebrais e assim por diante. Por exemplo, Professor Robert Plomin (Plomin, R. 2018, Blueprint: how DNA makes us who we are. Cambridge, Massachusetts, The MIT Press) sumaria inúmeros estudos internacionais, envolvendo crianças gêmeas e adotadas, revelando que a genética contribui de maneira importante para as diferenças psicológicas entre nós. Afirma ele, a genética não é apenas estatisticamente significativa, ela é massiva. A genética é o fator mais importante modelando quem somos nós. 

Por outro lado, para dar exemplos da minha própria Instituição, verifico, igualmente, que seus professores estão plenamente conscientes do emaranhado de leis e legislações que cerceiam a Educação, bem como, do quanto esses emaranhado não dá conta de atender as habilidades humanas, e da total ausência de métodos de pesquisa, nestes incluindo o método experimental, o método correlacional e o método observacional. Ademais, chamo a atenção, também, para o fato de, para estes profissionais, ser fundamental o conhecimento estatístico, e não perda de tempo, como muitos assim o entendem. Na minha visão, nada lhes é ensinado sobre avaliação e mensuração das habilidades cognitivas, e nem me parece que tais graduandos saibam o que é, e a importância que tem, o QI (Quociente Intelectual), e que este, mesmo isoladamente, influencia o desempenho escolástico. Os professores, tanto os que ensinam quanto aqueles que estão sendo formados, estão completamente no escuro sobre a estrutura das habilidades humanas e as conexões entre cognição e função cerebral. 

O porquê de os professores serem mantidos na ignorância sobre uma das maiores influências nos resultados educacionais dos estudantes normais é um mistério. Alguém poderia pensar que seria útil a um professor conhecer o que é o QI e como ele afeta o desempenho escolar, bem como, de maneira geral, que crianças sem o diagnóstico de dislexia, e afins, provavelmente desempenharão num nível similar em tarefas requerendo diferentes habilidades cognitivas, a despeito dos fervorosos apelos de Gardner, pai das Inteligências Múltiplas, pela afirmação do contrário. Aos professores, deveria ser ensinado que, tanto o patrimônio genético, quanto o ambiente familiar, são influências importantes na aquisição educacional, e que o ambiente familiar tem menos influência sobre o QI do que tem sido esperado, desde que crianças sejam expostas a um ambiente normal, que lhes permita aprender, desenvolver habilidades de linguagem e assim por diante. 

Atualmente, não há literatura científica que questione o valor preditivo dos testes de habilidade intelectual, conhecidos como QI, quando aplicados para grandes amostras. Se a um grupo de crianças do ciclo básico for aplicado um teste de QI que não requeira conhecimentos culturais e, tampouco, matemáticos, a correlação destes escores com aqueles obtidos em matemática e leitura, pelas mesmas crianças, já na idade de 17 anos, é bastante alta. Tal correlação seria igualmente alta mesmo se a classe fosse constituída por crianças ricas e/ou pobres, homens ou mulheres, do bairro A ou B, entre outros. E ela ainda seria alta, independente do quão árduo os professores tenham se esforçado e trabalhado. A verdade é única: os escores dos testes de leitura e matemática acompanham os escores de habilidade intelectual, não importa qual seja esta. 

O conhecimento humano acerca do cérebro, neurociência, genética e cognição está mudando o mundo de forma contínua e substancial, já sendo possível analisar, e modificar, DNA para verificar várias doenças graves e tratá-las antes que elas ameacem a vida. Também já podemos saber, com precisão, quais áreas cerebrais são ativadas quando lemos, escrevemos e calculamos a partir de como o mesmo processa informações oriundas de diferentes órgãos sensoriais, integrando-as em processos cognitivos subjacentes à aprendizagem de leitura, escrita, matemática e ciência. Por exemplo, estimativas da influência genética são denominadas de herdabilidade, que tem um significado preciso em genética. Herdabilidade descreve em que extensão, (magnitude) as diferenças entre indivíduos podem ser explicadas pelas diferenças de DNA herdadas. A palavra “diferenças” é fundamental para a sua definição. Os coeficientes de herdabilidade para alguns traços humanos são: 70% para autismo, 60% para desempenho escolástico, 60% para habilidade verbal, 50% para inteligência geral, 50% para esquizofrenia, 40% para personalidade e 60% para deficiência de leitura, entre outros. 

De modo similar, muito também já se sabe sobre as bases neurais e cognitivas dos processos de aprendizagem. Todavia, Educação, até onde conhecemos, parece negligenciar e, até mesmo, omitir, o vasto conhecimento científico oriundo da genética, da neurociência e da psicologia cognitiva. Os educadores, acrescenta Plomin (Blueprint: how DNA makes us who we are. Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 2018; Asbury, K., & Plomin, R. G is for genes: the impact of genetics on education and achievement.Wiley-Blackwell, 2014), de modo geral, também têm demonstrado não acreditar que os genes influenciam a aprendizagem, bem como, que o DNA das crianças interage com as experiências destas em casa e na escola, refletindo no processo de aprendizagem. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

Postagens relacionadas

Avanços na Medicina Mente-Corpo (3)

Redação 1

O que é e como se estrutura a Realidade!

Redação 2

Direita, volver – parte 2 

William Teodoro

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade