Tribuna Ribeirão
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É proibido proibir?

Luiz Paulo Tupynambá * 
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A primavera de 1968 chegou a Paris e encontrou a cidade em caos. Os estudantes parisienses, liderados por Daniel Cohen-Bendit, jovem estudante de sociologia, conhecido como Dany Le Rouge, devido aos seus cabelos ruivos e convicção anarquista, revoltaram-se exigindo, num primeiro momento, mudanças drásticas no sistema de ensino francês, mas, logo em seguida, suas exigências se tornaram um libelo pela mudança geral em toda a sociedade, não só a francesa, mas mundial, com liberdade total para as opções individuais, passando pela sexualidade, liberdade religiosa, extinção das diferenças de gênero, uso de drogas e o fim do capitalismo. O movimento ganhou a adesão de operários e trabalhadores imigrantes, invadiu as ruas da cidade e um mês inteiro foi marcado por violentos confrontos entre manifestantes e policiais destacados para dispersar o movimento. Ficou conhecido como Maio de 68 e criou uma onda de protestos comandados por jovens estudantes e trabalhadores no mundo todo. A palavra de ordem que correu pelo planeta e que foi repetida por Caetano Veloso em um festival em que foi vaiado pela plateia era: “é proibido proibir”. 
 
Hoje podemos ver que em grande parte do mundo muitas dessas reivindicações foram atendidas nas legislações dos países. E este espírito da liberdade individual estava presente no início da Internet. Tinha-se a ideia de que a rede de comunicações mundial seria um campo livre, onde não caberia qualquer restrição de conteúdo, ficando por conta de cada um acessar e aceitar, ou não, o que estava disponibilizado ali. Tinha-se o conceito de que o conteúdo levaria o conhecimento de forma rápida, acessível e gratuita para todos os habitantes do planeta. Mas a evolução da Internet nos mostra que a coisa não rolou desse jeito. Sim, uma grande parte da rede e dos serviços hoje disponibilizados permite que o conteúdo e sua disponibilização de maneira diversificada contribua para uma distribuição maior e mais qualitativa do conhecimento. Os serviços de intercomunicação, como o aplicativo Zoom, por exemplo, permitiram que durante a pandemia alunos no mundo todo continuassem a receber aulas e interagir com os professores. Assim como as empresas conseguiram manter suas equipes atuantes e comunicativas entre si. 
 
Porém, sempre tem um porém quando se trata de atividade humana, existe o lado escuro da Internet, com pessoas e grupos que agem de má-fé na rede. Diversos países no mundo têm passado por violações constantes de suas legislações eleitorais e criminais causadas por bots que espalham fake news e deepfakes. Fake news é informação intencionalmente tomada por erros ou falsidades, emitida e reproduzida para construir uma narrativa e atingir determinado objetivo; Deep Fake é uma tecnologia de Inteligência Artificial que permite a criação de vídeos falsos que simulam o rosto e a voz de pessoas em produções de conteúdo falacioso. Hoje, até com muita facilidade, é possível criar vídeos “(ir)reais” com pessoas conhecidas em atividades não usuais ou até mesmo em atividades criminosas. Exemplo é a “criação” de um telejornal fictício com noticiário falso atacando o lado político adversário, coisa que já vem sendo usada com frequência na Venezuela, Colômbia e Peru, só para citar países próximos ao nosso.Um dos sites com essa tecnologia disponível é o  Synthesia, que oferece testes gratuitos. Basta ter um texto em mãos. Lá você escolhe o apresentador, entre dezenas de opções, o cenário, com possibilidade de usar chroma key para colocar um fundo de sua criação no vídeo, a linguagem em que o vídeo será produzido e o ritmo em que o texto será apresentado, se vai ser trágico, alegre, etc. O Synthesia tem como slogan “diga adeus às câmeras, microfones e atores”. Já testei e é impressionante. 
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A questão da regulamentação da produção e controle do uso da Inteligência Artificial é urgente. Novos e mais potentes sistemas e aplicativos são produzidos diariamente com objetivos nem sempre muito claros ou benéficos. Não é uma questão de proibir apenas, é uma questão de ordenamento jurídico capaz de conduzir países, e por que não dizer, a humanidade no rumo de uma evolução segura nas próximas gerações. Sem esse ordenamento jurídico mundial estamos sob a ameaça de cairmos em uma distopia controlada por lá sabe-se quem, que transformará em em poeira da História a luta pela Liberdade, Fraternidade e Igualdade que travamos nos últimos séculos.  
 
O Parlamento Europeu aprovou, no último dia 20, seu Ato de Regulação da Inteligência Artificial, por ampla margem de votos. O próximo caminho é o referendo dos parlamentos dos países integrantes da União Europeia. Também na terça-feira passada, o Senado americano, através da liderança da maioria, anunciou que formará nas próximas semanas as comissões para a coleta de informações e análise para a formulação de um ato de regulamentação da Inteligência Artificial nos Estados Unidos. Com atraso, é claro. 
 
Semana que vem abordarei com mais detalhes o conteúdo da regulamentação da União Europeia. 
 
Enquanto isso fico esperando nosso Congresso se lembrar da importância do assunto, confortavelmente sentado, porque sei que vai demorar muito. 
 
* Ativista cultural, jornalista e fotógrafo de rua 

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