Tribuna Ribeirão
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E essa tal de Maria Juana? 

Luiz Paulo Tupynambá * 
blog: www.tupyweb.com  
 
Vou apertar mas não vou acender agora / se segura malandro / pra fazer a cabeça tem hora…” Trecho do samba “Malandragem dá um tempo”, de Adelzonilton Barbosa da Silva, Moacir Bombeiro e Popular P, 1986. – eternizado na voz de Bezerra da Silva 
 
Segunda-feira, a Alemanha anunciou a liberação do uso recreativo individual e o porte de 25 gramas de maconha. O cidadão pode plantar até três pés da erva para produção de uso próprio. A tendência de liberação para uso recreativo e medicinal é mundial e em poucas décadas foi conseguida de uma maneira bem tranquila. A Alemanha se junta a diversos países europeus e latino-americanos que liberaram a maconha, tanto para uso medicinal quanto para uso recreativo, sempre com restrições de quantidade ou de produção para uso próprio. Joe Biden já anunciou que vai enviar um projeto propondo a descriminalização ao nível federal. 23 estados estadunidenses e o Distrito de Colúmbia (equivalente ao nosso Distrito Federal) já fizeram isso. 
 
Como se vê, existe uma tendência mundial para admitir a presença da Cannabis na sociedade, em parte para uso recreativo, em parte para uso medicinal. Sem esquecer que as plantas “primas-irmãs” da Cannabis Sativa geram importante receita para algumas comunidades que produzem o cânhamo, muito utilizado pela indústria da moda, acessórios e decoração. Mas o que temos a ver com isso? 
 
A lei 11.343/2006 (Lei das Drogas), promulgada em 23 de agosto de 2006, prescreve “medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”. Em seu artigo 28 relaciona as penalidades a serem aplicadas a quem é apanhado com quantidades pequenas de drogas. Nenhuma delas prevê recolhimento prisional em flagrante. 
 
Mas a lei brasileira não estabelece um limite máximo para a quantidade em posse da pessoa, como a lei alemã. Deixa ao juiz estabelecer o limite por conta própria. Isso impõe ao magistrado uma carga de interpretação subjetiva que não é salutar ao bom direito. Por exemplo, um mesmo juiz pode, pela cor da pele ou pela gíria usada pelo detido, estabelecer, por simpatia ou antipatia, ou outro motivo qualquer, que os 10 gramas de um detido sejam mais criminosos que os 10 gramas de outro. Um fica preso como traficante. O outro toma um pito e sai livre. O policial de rua também não tem parâmetro para atuar. Na dúvida, camburão e tráfico no lombo. É uma falha grave da lei, que levou a aberrações judiciais e trouxe insegurança jurídica no lugar de balizar uma boa decisão judicial. 
 
Então quando, este ano, o STF, se debruça para fazer o seu papel, com muito atraso diga-se a bem da verdade, que é o de dirimir as dúvidas de interpretação flagrantes na lei 11.343/2006, a Hidra da escuridão do conhecimento, dezoito anos depois, tira a cabeça da toca e clama: “vamos fazer outra lei! Sem perdão! Usou maconha, mesmo meio grama, é traficante! Tranca e joga fora a chave”. 
 
O nosso glorioso Senado Federal resolve fazer, por pirraça, o que era sua obrigação constitucional, com a Câmara Federal, de ter regulamentado a lei logo após sua promulgação, DEZOITO anos atrás. E demonstra melindres, dizendo que o Supremo está “invadindo” competências legislativas. Pois é, alguém tem que avisar esses senhores que nem todo o tempo do mandato pode ser gasto em futricas, lacrações e acertos eleitoreiros. Trabalhar corretamente, cumprindo o que lhe foi entregue como mandato do povo, também faz parte desse trabalho político. Quem não cumpre com suas obrigações acaba vendo outro cumpri-las. Isso vale para a vida empresarial, para a vida política e até para os casamentos. Ninguém percebe, é claro, que o único interesse de nossos legisladores é eleitoreiro, não é mesmo, Senhor Pacheco? 
 
Como está, a lei brasileira se tornou a maior fornecedora de soldados para o crime organizado. Cada jovem enquadrado como traficante, mesmo que por poucos gramas, vai ser atirado em presídios superlotados e violentos, dominados por facções criminosas. Para sobreviver lá dentro enquanto espera por um julgamento que pode demorar anos, este jovem acaba se tornando mais um soldado do crime. Uma detenção, um “cigarrinho” de maconha e um juiz sem boa vontade determinam o fim do bom caminho na vida de um jovem que poderia estudar, trabalhar, constituir família. Um equívoco jurídico e mais um possível bom cidadão perdido para o crime. 
 
Continuamos na semana que vem. 
 
* Jornalista e fotógrafo de rua 

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