Tribuna Ribeirão
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Adversários sempre, inimigos jamais 

Feres Sabino * 
advogadoferessabino.wordpress.com 
 
Recentemente, morreu Welson Gasparini, com quem convivi, mais de perto, em nosso tempo de Diário de Notícias, jornal católico, na metade da década de 1950, quando seu Diretor era o Pe. Celso Ibson de Sylos, que fez daquele matutino um jornal dinâmico a favor das reformas de base e contrário ao golpe de 1964; e ainda sob a discreta presença do Arcebispo Dom Luís do Amaral Mousinho foi sempre um instrumento de formação e informação, sempre envolvido com questões políticas, sociais e culturais, em torno do qual circulou uma juventude inquieta e criadora. 
 
Essa morte lembrou-me episódios significativos. O primeiro deles é o daquela noite em que o Diretor me pediu para redigir o texto da coluna “Vida Estudantil”, pois “o Welson não viria hoje”. Depois de redigi-lo e entregar-lhe, ele ligou muitos parágrafos à frase anterior, e me surpreendeu dizendo-me – “será o editorial de amanhã”. Até hoje, meus artigos guardam, acredito, a característica de editoriais. 
 
Outra, já no primeiro ano da Faculdade de Direito, vim para Ribeirão, pegando carona com duas amigas, uma delas filha de família daqui; e à noite, religiosamente, na mesma sala do chefe, entra o Welson e logo pediu ao Celso para escrever alguma coisa sobre a Doutrina Social da Igreja, porque ele faria uma conferência, no sábado à noite, e ele queria se referir a ela. Meti-me na conversa sugerindo ao Welson que não falasse de doutrina alguma, falasse dele, de sua vida, de seus sonhos, da sua visão de mundo. E passou… 
 
Na segunda-feira, voltava para São Paulo, com minhas amigas, naquela perua Kombi de propriedade de uma delas, e elas comentavam o que de importante haviam feito naquele final de semana. 
 
Elas falaram, encantadas, que foram assistir a uma palestra na igreja Maria Goretti, lá na Vila Tibério, e ouviram um líder católico excepcional, comunicativo, sincero, humilde, que fez uma conferência baseada em sua vida, em suas esperanças e sonhos, em sua visão do mundo. Era o Welson Gasparini. 
 
Esse fato anunciava o marco de uma vida política, que o fez quatro vezes prefeito de Ribeirão Preto, deputado estadual e deputado federal. Impressionou tanto aquelas jovens, que era fácil antever que teria sucesso luminoso no que começara. 
 
Com aquele seu jeito simples, de comunicação fácil, radialista, ele, Welson, foi o inspirador de uma obra pioneira de sociologia do professor Divo Marino que escreveu sob o título “O Populismo Radiofônico”, depois que Welson já começara a deslizar no palco das vitórias políticas partidárias, atropelando, democraticamente, seus adversários. Soube ganhar, soube perder, quando perdeu. 
 
Nossa cidade constitui uma fonte de irradiação de prestígio político, para toda a nossa região, e o menino nascido em Batatais soube honrar a cidade em que nasceu, e a cidade que o adotou como filho ilustre. 
 
Desconheço na vida dele uma aresta ideológica que tenha qualificado um adversário político como inimigo. 
 
Faz administrações com simplicidade administrativa, sem voos faraônicos, nem vertentes altíssimas e inovadoras, conduziu-se sempre com decoro, decência, como deve se conduzir um homem público. Foi o único na história política de Ribeirão Preto que elegeu seu sucessor. 
 
Esse ato de fazer o sucessor é algo muito raro, em política, pois, sempre o que pode fazê-lo, ou não faz, ou disfarça que faz, porque o jogo é para fazer o companheiro dele não ser eleito, para que ele, titular, possa retornar. Welson não acolheu essa prática, e nem por isso deixou de ser tantas vezes Prefeito. 
 
Agora, ele se afasta do palco da vida, deixa uma lembrança simpática, uma memória exemplar de político e chefe de família, filhos, dentre os quais um vereador, que tem o lastro de dignidade para prosseguir. 
 
Se deixamos, nas paredes da vida, as nossas marcas digitais, os ledores desse enigma verão claramente que se trata de um radialista, jornalista, professor, político vitorioso, que durante décadas ocupou o destaque da estima popular. 
 
Sempre fomos adversários, jamais inimigos, e tínhamos o que conversar, quando nos encontrávamos. Nosso último encontro foi no Fórum, quando da homenagem ao Ministro aposentando Sidnei Beneti. Ele, generosamente, me disse: “Você precisa continuar na política”, ao que respondi, rindo: “Welson, meu tempo também já passou…”. 
 
A terra não será suficiente para esconder a memória de sua passagem, que terá sempre meu respeito, também o de seus contemporâneos. 
 
* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras 

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